Por Elder de Oliveira
“A Melhor Mãe do Mundo“, novo filme de Anna Muylaert, é mais do que uma ficção bem contada, é uma declaração urgente sobre maternidade, miséria e sobrevivência nas bordas de uma cidade que insiste em fingir que não vê quem a sustenta.
A diretora, já conhecida por explorar complexidades das relações familiares em obras como “Que Horas Ela Volta?” e “Mãe Só Há Uma”, entrega aqui talvez sua personagem materna mais crua, intensa e humana, Gal, interpretada por Shirley Cruz.
Gal é uma catadora de recicláveis, mulher preta, periférica, mãe solo e sobrevivente da violência doméstica. Sua fuga pelas ruas de São Paulo com os filhos Rihanna e Benin é, ao mesmo tempo, literal e simbólica. Ela escapa de um ciclo de dor para tentar reinventar um lar a céu aberto. A jornada é marcada por pedras e nenhuma metáfora aqui ameniza o fato de que são pedras reais, como o concreto frio das calçadas onde ela dorme, os olhares atravessados, a fome dos filhos, a insegurança. Ainda assim, o filme não mergulha no miserável. Muylaert filma com respeito e afeto.
O elenco, recheado de artistas musicais como Seu Jorge, Dexter e Luedji Luna, não é apenas uma escolha estética ou comercial, eles trazem corpo, voz e história à trama. Mas é nas crianças que o filme encontra sua alma.
Rihanna Barbosa e Benin Ayo, usando seus próprios nomes, entregam atuações que impressionam pela naturalidade e profundidade. São crianças com rugas na alma, mas ainda capazes de sorrir. Muylaert acerta em cheio ao preservar suas identidades, dando protagonismo e orgulho à cultura preta, num gesto político e afetivo.
A performance de Shirley Cruz é arrebatadora. Mãe também na vida real, ela não atua Gal, ela a vive. E vive com o peso da responsabilidade, da urgência, da revolta e do amor. A atriz mergulha na realidade das catadoras, tornando cada gesto no filme carregado de verdade. O que poderia ser uma personagem simbólica vira gente de carne, osso e dignidade.
A “Melhor Mãe do Mundo” carrega o peso do título e não foge da responsabilidade que ele impõe. Não é um elogio vazio, é uma afirmação que se constrói no olhar de Gal para os filhos, na coragem de romper ciclos, na fé que ela encontra mesmo na escuridão. O filme emociona sem ser piegas, denuncia sem ser panfletário, e revela que o amor materno, quando atravessa a adversidade, vira ato político.
Premiado em festivais na França e celebrado internacionalmente, o longa é um forte candidato brasileiro para diversas premiações. Mas antes de qualquer estatueta, o que ele merece e precisa é ser visto. Porque no fim, “A Melhor Mãe do Mundo” é sobre enxergar aquilo que a cidade insiste em apagar, que resistir também é amar. E amar, às vezes, é fugir.
A Melhor Mãe Do Mundo chega aos cinemas no dia 7 de agosto.
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