Texto: Kessia Carvalho
Nessa adaptação e releitura de Cinderela, dos irmãos Grimm, vemos a história pelo olhar de Elvira (Lea Myren), a “irmã feia” de Cinderela, que nos conduz por uma trajetória bem diferente dos tradicionais contos de fadas.
Na história, acompanhamos duas irmãs e sua mãe, que, após se casarem com um homem que acreditam ser rico, passam a conviver com a bela filha dele, uma jovem que, a princípio, demonstra apreço pelas novas irmãs. No entanto, após a morte do pai, a dinâmica da família muda completamente. As diferenças se intensificam com o convite para o baile real, onde o príncipe escolherá sua noiva.
Elvira sempre foi apaixonada pela ideia de se casar com o príncipe e o idealiza profundamente, estando disposta a fazer o que for necessário para tornar esse sonho realidade.
É interessante assistir a esse filme sendo mulher e acredito que não seja apenas comigo que os subtextos ressoem tão fortemente com a realidade feminina. Claro, no filme lidamos com tudo em outra proporção, mas ele evidencia como a rivalidade feminina é culturalmente alimentada pela sociedade: mulheres que precisam disputar entre si pela atenção de um homem, que devem ser não apenas bonitas, mas as mais bonitas, magras, graciosas, encantadoras. Observamos muito bem isso quando, no baile ela é tratada apenas como um produto, facilmente substituído.
No longa, vemos uma jovem se degradando a cada escolha feita em busca da perfeição, uma cena que me marca isso Elvira aparece nua diante do espelho, momento em que sentimos o quanto ela odeia o que vê. A forma como os planos de câmera enfatizam justamente os traços que ela mais despreza é angustiante.
Outro trecho que reflete esse ponto do longa é quando vemos ela ingerir um ovo de tênia, algo que realmente acontecia na era vitoriana, mais um reflexo perturbador da realidade social. Podemos nos perguntar: “Quem em sã consciência faria isso consigo mesma?” Mas a verdade é que muitas mulheres já o fizeram (e ainda o fazem).
Hoje ainda podemos observar os inúmeros procedimentos estéticos, e a busca de um padrão de perfeição. Tentando se encaixar nos moldes impostos pela sociedade muitas vezes para agradar homens como um “príncipe” arrogante, que por sua prepotência acredita que têm o direito de decidir qual mulher é digna de sua atenção.
A cinematografia é belíssima, transmitindo muito bem a ambientação da Europa da época. Há planos visualmente incríveis abertos e contemplativos e outros claustrofóbicos e angustiantes quando necessário.
A trilha sonora é muito interessante, usa elementos que parecem gritos em alguns momentos, e elementos que lembram contos de fadas porém com uma característica um pouco mais sombria.
O elenco entrega ótimas atuações, com destaque para Lea Myren, que, mesmo sendo uma atriz lindíssima, consegue expressar com o olhar e pequenas sutilezas a inveja, a estranheza e a agonia de sua personagem. É, sem dúvida, uma atriz que pretendo acompanhar nos próximos trabalhos.
As cenas de sexo, embora não sejam numerosas, me pareceram um tanto gratuitas não senti que agregaram muito à trama.
Outro ponto que me incomodou um pouco é que parecia as vezes que a diretora não sabia como encerrar a história, então teve um dado momento que vinha o pensamento que “o filme não vai acabar não”.
“A MEIA-IRMÃ FEIA” é uma produção muito interessante, que aborda temas profundos e funciona mais como um terror psicológico com toques de body horror. Que com toda certeza vale ficar de olho nos próximos filmes da diretora.
“A Meia Irmã Feia” estreia dia 23 de outubro nos cinemas.



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