Escrito por Elder de Oliveira
Ao longo dos últimos anos, o cinema viu uma enxurrada de adaptações em live-action de animações clássicas, algumas bem-sucedidas, outras nem tanto. No meio desse cenário instável, o novo longa de “Como Treinar o Seu Dragão” surge como um respiro otimista, mostrando que é possível sim transformar uma obra amada em algo novo, sem apagar sua essência.
Desde o vilarejo de Berk até os dragões, especialmente o carismático Banguela, cada elemento parece testemunhar o amor e o cuidado da produção pela animação. O trabalho de direção de arte e efeitos visuais é atraente, detalhado e imersivo. As sequências de voo, que sempre foram um ponto alto da trilogia animada, aqui se tornam experiências cinematográficas, transmitindo uma sensação de liberdade e emoção que remete diretamente ao impacto do primeiro filme, lançado em 2010.
O elenco também faz bonito com destaque especial para Mason Thames no papel de Soluço. O jovem ator não apenas replica os traços tímidos, questionadores e intelectuais do personagem original, mas também constrói uma nova versão do herói com humanidade e carisma genuínos. A relação entre Soluço e Banguela continua sendo o centro emocional da narrativa, e a química entre os dois (mesmo com o dragão sendo inteiramente digital) é comovente e convincente.
Desde o anúncio do live-action, uma das maiores preocupações dos fãs era com o visual de Banguela, um personagem cujo charme vai muito além da aparência, ele é expressivo, travesso e emocionalmente profundo. Trazer isso para o realismo do live-action sem perder sua personalidade era um desafio enorme. Felizmente, o filme acerta ao equilibrar fidelidade estética e naturalismo visual.
O Banguela aqui tem escamas mais detalhadas, movimentos mais realistas, mas mantém os olhos expressivos, os trejeitos brincalhões e a conexão emocional com Soluço que o tornaram inesquecível. O resultado é um dragão que continua sendo o coração da história e que prova que tecnologia bem aplicada pode preservar, e até intensificar, a magia do original.
Outro destaque do elenco é Nico Parker, que dá vida à guerreira Astrid. Conhecida por seus papéis em The Last of Us e Dumbo, aqui ela entrega uma Astrid confiante, estratégica e emocionalmente mais complexa. A personagem, que na animação já representava uma figura de força e inteligência, ganha contornos mais humanos sem perder sua firmeza. Nico traz uma leveza nos momentos de parceria com Soluço e ao mesmo tempo, uma postura firme nas cenas de embate. Sua atuação ajuda a reforçar o equilíbrio entre ação e emoção no filme.
Já Gerard Butler, que dá um retorno especial ao papel de Stoico, o Imenso, desta vez em carne e osso, oferece uma performance marcada pela presença imponente e pela vulnerabilidade contida. Tendo sido a voz do personagem na trilogia animada, Butler carrega consigo a familiaridade e o peso emocional que Stoico exige. No live-action, sua atuação eleva o personagem a um novo patamar, com momentos de dureza paternal alternando com vislumbres sinceros de carinho e medo. Essencial para a construção do drama familiar do enredo.
Mais do que uma reprodução visual, o live-action preserva a magia emocional que definiu a franquia. Os diálogos centrais estão lá, assim como o arco de amadurecimento do Protagonista Soluço e a mensagem universal de empatia, tolerância e amizade. Tudo isso ganha ainda mais força com algumas atualizações sutis, relações familiares mais profundas e uma abordagem um pouco mais madura dos dilemas que cercam Berk e seus habitantes.
Personagens como o chefe Stoico, por exemplo, surgem com camadas inéditas, e a relação entre vikings e dragões é tratada com um olhar mais realista, porém sem jamais perder a ternura. Essa modernização é feita com delicadeza, reforçando a relevância da história para o público atual sem parecer um “reboot” desnecessário ou uma cópia sem alma.
E esse talvez seja o maior trunfo da adaptação, ela respeita o original, mas não se limita a ele. Em vez de apenas replicar cenas ou visualmente impressionar com efeitos digitais, o filme se compromete em traduzir para o live-action tudo aquilo que fez o público se apaixonar pela animação e vai além, dando novos contornos a essa jornada sobre coragem, diferença e conexão.
Em um cenário onde muitas adaptações fracassam por falta de identidade, Como Treinar o Seu Dragão se destaca como uma exceção. É quase idêntico à animação, mas sem perder a alma, o coração e a magia do original. Uma nova forma de contar uma velha história e uma que vale (re)descobrir na tela grande.
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