“A Serbian Film – Terror Sem Limites” (2010) é uma obra de arte transgressiva rara que é mais introspectiva e sombria do que satírica ou alegórica. O aspecto mais ousado do filme é forçar o público a uma profunda autoanálise. Com uma cinematografia digital perturbadora e uma moralidade corroída, ele ultrapassa os limites dos tabus conhecidos, quase chegando à perversão.
A distorção das relações familiares e a brutalidade física nele mostrados, não têm a intenção de ofender nossos padrões de gosto, mas de desmantelá-los e, assim, revelar uma reflexão sobre o que pode ser considerado grotesco.
A exemplo de “Salò ou Os 120 Dias de Sodoma” (1975) de Pier Paolo Pasolini, que criticava a forma como o fascismo cria um mundo de duas classes e sem limites de exploração, “A Serbian Film” sugere uma crítica sociopolítica semelhante. No entanto, apesar de um monólogo confuso que compara as massas da Sérvia a órfãos abusados, o trabalho do escritor e diretor Srđan Spasojević se destaca principalmente por sua profundidade psicológica. Seu filme é mais eficaz em explorar questões psicológicas do que qualquer nacionalismo que possa ter motivado a obra.
O filme possui cenas estranhas e desconfortáveis. Há uma tensão constante, com situações que envolvem, entre outras coisas, negociações em salas escuras e o treinamento do protagonista em meio a momentos de violência e prostituição degradantes. Essa atmosfera sombria e perturbadora prepara o espectador para momentos ainda mais chocantes que virão, impedindo que os horrores sejam vistos como meros truques baratos.
O filme acompanha a história de um ex-ator pornô, Miloš (Srđan Todorović), – antes conhecido como um “artista do sexo” por sua virilidade indomável e técnica amigável a câmera – recebendo uma boa quantia em dinheiro de um diretor de cinema visionário chamado Vukmir (Sergej Trifunović) para atuar uma última vez em um enigmático projeto. E é aí que as coisas saem do controle.
Miloš é casado, tem um filho pré-adolescente e, para seu azar, um irmão policial corrupto (Slobodan Beštić). No início do filme, Miloš e sua esposa surpreendem seu filho assistindo, na tv, um dos primeiros trabalhos do pai no pornô. Diante disso, os três conversam calmamente sobre o assunto e Miloš encoraja o garoto a explorar as sensações sexuais.
Um pouco mais a frente, durante as filmagens do filme de Vukmir, Miloš é coagido a receber sexo oral de uma mulher recém-espancada enquanto uma menina de 11 ou 12 anos em um vestido azul e branco como o de “Alice no País das Maravilhas” o observa firmemente e o incentiva. Muito parecido com o filme “Mistérios da Carne” (2004), “A Serbian Film” nesse ponto, explora a sexualização de crianças, mostrando o impacto psicológico de testemunharem tais atos.
Ambos os filmes também reconhecem como o voyeurismo é importante para entender o desenvolvimento sexual, não apenas porque ajuda a eliminar as suposições da preferência erótica, mas porque permite ao observador experimentar diferentes papéis, em um espaço onde pode se tornar passivo e ativo, agressor e vítima. À medida que o filme dentro do filme se torna cada vez mais perturbador, as fronteiras entre esses papéis se tornam mais confusas.
As cenas mais fortes do filme, são concentradas em seu final. Entre elas, a de um homem tendo relações sexuais com um bebê. O foco dessas cenas, não são tanto nos atos em si, mas sim em como elas são usadas para chocar o público. São cenas de violência extrema, como incesto, decapitação e necrofilia.
Apesar da violência gráfica, a forma como as cenas são filmadas nem sempre é a mais criativa. Às vezes, as ideias são mais chocantes do que a forma como são mostradas. No entanto, essa falta de refinamento visual combina com a atmosfera crua do filme.
À medida que Miloš vai descobrindo, tanto o que foi manipulado a fazer, quanto o que foi feito a ele, os horrores são amplificados por suas memórias. O filme não se concentra tanto no que vemos, mas sim em como o que o personagem vê e faz o afeta.
A mesma curiosidade por imagens proibidas que atuou como uma iniciação para o filho de Miloš, agora representa a perda da inocência do próprio Miloš em relação a si mesmo — e possivelmente do público também.
O reino dos sonhos, onde o desejo humano, a memória e a fantasia se encontram, é essencial e inevitável; ele engloba os impulsos e peculiaridades que não apenas perpetuam a humanidade como espécie, mas também incubam a personalidade individual.
O filme entende que essa área da mente é onde somos mais impressionáveis e vulneráveis a esse tipo de conteúdo. O sadomasoquismo do filme é maligno e primitivo. O diretor mistura conceitos e deixa o espectador confuso, sem distinguir claramente entre vítima e agressor, e, entre o ato sexual em si e seu produto.
Em resumo, “A Serbian Film” apesar da violência extrema, não é apenas uma tentativa de chocar, mas sim uma exploração perturbadora da mente humana.
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