Texto por: David Ulisses
Wes Anderson retorna às telonas com “The Phoenician Scheme (O Esquema Fenício)”, mais uma obra de sua filmografia imediatamente reconhecível. Com sua estética milimetricamente calculada e uma direção de arte deslumbrante, o diretor entrega aquilo que se espera dele: um universo visualmente encantador, povoado por personagens excêntricos e diálogos que flertam com o absurdo. No entanto, por trás da fachada de perfeição, esconde-se uma obra que carece de emoção genuína — algo que já se tornou uma marca preocupante da fase mais recente de sua carreira.
Benicio Del Toro and Mia Threapleton Créditos: TPS Productions/Focus Features
A trama gira em torno de Zsa-Zsa Korda (Benicio del Toro), um bilionário excêntrico que decide nomear sua filha Liesl (Mia Threapleton) — uma jovem freira — como a única herdeira de sua fortuna. Esse gesto, aparentemente caprichoso, desencadeia uma sequência de eventos inusitados: uma conspiração global envolvendo magnatas corruptos, terroristas internacionais e assassinos profissionais. Tudo isso, claro, embalado por enquadramentos simétricos, paletas de cores hipnotizantes e trilhas sonoras cuidadosamente escolhidas.
Não há como negar: The Phoenician Scheme é, mais uma vez, uma vitrine da genialidade técnica de Anderson. A câmera se move com fluidez coreografada, os cenários são meticulosamente desenhados, cada cena parece uma pintura em movimento. No entanto, o filme deixa uma impressão incômoda: a de que toda essa beleza está a serviço de muito pouco. Por mais divertida que seja a jornada dos protagonistas, ela raramente provoca algo além do riso superficial. Falta substância emocional, densidade narrativa, alma.
Essa ausência não é exatamente uma novidade. Desde The French Dispatch (2021), passando por Asteroid City (2023) e Henry Sugar (2024), Anderson parece ter mergulhado cada vez mais fundo em sua estética autoconsciente. Os filmes dessa fase são marcados por estruturas narrativas fragmentadas, metalinguagem exacerbada e uma quase obsessão em exibir os mecanismos de sua própria construção. A sensação é de que estamos diante de um museu de cera cinematográfico: belo, sim, mas também frio e inerte.
Em The Phoenician Scheme, essa sensação se intensifica. A direção de atores aposta em performances deliberadamente monótonas, com falas rápidas, quase recitadas, que mais parecem ecoar de bonecos animados do que de seres humanos. O figurino, os sotaques e os trejeitos são impecáveis, mas servem como ornamentos que tentam disfarçar o vazio emocional. O público é convidado a observar, admirar, talvez até rir — mas dificilmente se conecta.
Benicio del Toro faz o possível com o material que lhe é dado. Seu Zsa-Zsa Korda é uma caricatura elegante, charmosa, mas sem profundidade. Mia Threapleton, por sua vez, tem pouco espaço para desenvolver sua personagem, presa a uma narrativa que a define mais pelo contraste com o pai do que por suas próprias motivações. O elenco de apoio — como sempre numeroso e repleto de nomes conhecidos — funciona mais como decoração do que como motor dramático.
No fim das contas, o novo trabalho de Wes Anderson confirma aquilo que muitos já suspeitavam: ele continua sendo um mestre do estilo, mas parece cada vez mais distante da emoção. The Phoenician Scheme é uma peça de relojoaria encantadora — e estéril. É possível, sim, encontrar prazer na beleza de suas engrenagens. Mas seria pedir demais um pouco de coração entre seus mecanismos?
A resposta à pergunta inevitável — “Vale a pena ver no cinema?” — depende do que se busca. Se o objetivo é se maravilhar com a arte da direção e com a estética singular de Wes Anderson, a resposta é sim. Mas se o que se espera é uma história que toque, comova ou envolva, talvez seja melhor procurar em outro lugar. Afinal, nem todo esquema precisa ser tão ‘fenício’. Às vezes, tudo o que se deseja é um pouco mais de alma e verdade.
“O Esquema Fenício” está na competição oficial do Festival de Cannes e estreia nos cinemas do Brasil em 29 de maio de 2025.
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