A narrativa que o cinema utiliza para tratar sentimentos complexos como questões existencialistas é diversa, podendo usar uma abordagem mais direta e expositiva ou ir para o sensorial, que de longe é o modo mais ousado, belo e desafiador para o público. “Lispectorante“, de Renata Pinheiro (Carro Rei), usa psicodelia e o onírico para referenciar o poder de escrita de Clarice Lispector.
Interpretada por Marcélia Cartaxo (sim, a Macabéa de A Hora da Estrela), acompanhamos Glória Hartman, uma artista que, por motivos pessoais e financeiros, acaba passando por uma crise existencial. Mas, por meio das ruínas do sobrado de Clarice Lispector, acaba se encontrando.
Como dito anteriormente, a escolha de abordar esse encontro consigo mesma usando o surreal proporciona sensações que são impossíveis de se reproduzir com diálogos convencionais. Mas nem por isso um é melhor que o outro. O modo corajoso de contar a história da artista plástica Glória Hartman nos entrega um visual arrebatador, com cores vivas marcadas e uma trilha sonora de arrepiar todos os seus sentidos. No entanto, a dificuldade gerada na compreensão de algumas cenas não só pode, como vai, limitar seu alcance.
A direção de Renata Pinheiro é estonteante no começo do longa. O surreal toma conta e você se pergunta: “O que está acontecendo aqui?”. A fascinação entregue pelo onírico sempre instiga, mas necessita de um certo jogo de cintura para não causar um desgaste. David Lynch, também conhecido por abusar do surreal em suas produções, é o maior exemplo de como equilibrar isso, utilizando inúmeros gêneros dentro de suas obras, a ponto de sempre nos instigar de modos diferentes.
A relação de Clarice Lispector com a protagonista vem diretamente ligada à libertação da arte, à iluminação que ela pode trazer para nossas vidas, nesse caso, sendo associada ao modo dilacerador com que Clarice arrebata a alma de quem está lendo.
Assim, Lispectorante não se limita a ser apenas uma homenagem estética ou narrativa à obra da escritora, tornando-se uma experiência sensorial que convida o espectador a sentir mais do que compreender. Renata Pinheiro, ao apostar nesse caminho, reforça a ideia de que a arte, seja escrita ou no cinema, tem o poder de desconstruir e reconstruir a percepção. Mesmo que essa ousadia afaste parte do público, o que fica é a marca de uma obra que, tal como Lispector, provoca, inquieta e, sobretudo, liberta.
O longa estreia nos cinemas no dia 8 de maio
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